segunda-feira, 3 de outubro de 2011

noites na arábia

depois de um jantar delicioso e uma roda de tambores, decidimos ir olhar as estrelas. não é todo dia que você pode ver o céu daquele jeito.
há kilômetros de qualquer ponto de luz, o céu é um novo mundo.
nós estavamos no deserto do saara.
dava para ver minhas olheiras até naquele escuro perturbador. foi um dia inteiro de viagem de van, algumas caminhadas por cidades históricas e quase três horas de camelo.
mas não dava para dizer não às estrelas. não àquelas.

eu, betty, mohamed e samir deitamos na areia. mohamed e samir eram beduínos. moravam ali mesmo no deserto, em tendas parecidas com as que eu e betty iriamos dormir pela primeira vez.
a areia era gelada e fininha. era gostoso pegar um punhado e esperar os grãos escorrerem aos poucos por entre os dedos.

- aqui não tem cobra não, ne? eu disse
mohamed riu-se com minha preocupação.
- e se tiver? provocou
eu ri, fingindo tranquilidade.

as barreiras linguísticas eram muitas, mas dava para se entender. o francês malamanhado dos dois lados conseguia quebrar o galho.
cavamos buracos para colocar os pés. lá dentro, a areia era quente. mesmo à noite, o sol do deserto se mostrava da maneira que podia.

falamos amenidades. sobre morar no deserto, sobre morar na cidade. sobre ser guia turistíco, sobre outras profissões.

- jornalistas adoram vir aqui fazer perguntas. os franceses também, mesmo sem serem jornalistas adoram perguntar.

mohamed falava e ria. falava e ria.

sua ingenuidade lembrava aquele menininho que um dia foi parar no deserto e ensinou a um homem grande o poder das estrelas. sim, o pequeno príncipe.

- sabe uma música que eu adoro? waka waka êê, tsamina êê.. vocês sabem. canta comigo. "this is my africa".

mohamed tinha essa capacidade. de unir norte e sul, oriente e ocidente, o deserto e a metrópole. na simplicidade do ser, que só é e pronto. sem se importar demais com os detalhes da língua, com o francês capenga, com a diferença etária, social. mohamed me fez sentir, no meio daquela escuridão, o quanto todos nós somos cidadãos. e cidadãos de um mesmo lugar chamado Terra. mohamed apagou, com poucos versos e palavras, o meridiano de greenwich e a linha do equador que um dia eu aprendi na escola. e me mostrou que a gente é que nem a areia do deserto: por mais frio que a gente esteja por fora, dentro vai estar sempre quente, como prova de que o sol já aqueceu, um dia, o nosso coração.

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- essa é a primeira vez que vocês vêm pra o deserto?
- é
- mas não vai ser a última, né?
- espero que não
- promete pra mim que vocês voltam. e vocês vão ter que voltar.

mohamed falou isso e riu. e o riso dele é um guizo que eu transformei em estrela. e essa estrela está no céu do mundo inteiro e qualquer um pode ver. e rir com ela, como eu ri com mohamed.