quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sobre os muros e suas mensagens


Ao final do city tour por Berlim, a guia pediu que todos sentassem para ouvir o que ela tinha a dizer. “Eu quero que vocês reflitam que isso que a gente fez hoje, transitar entre o Leste e o Oeste desta cidade, não poderia jamais ter acontecido há pouco mais de 20 anos atrás. Naquela época, algumas pessoas não tinham nem sequer o direito básico de ir e vir”.

Há léguas de distância da capital da Alemanha, cerca de 190 milhões de pessoas também foram privadas desse direito. Do outro lado do Atlântico, em lugar lindo e quente chamado Brasil, não se pode transitar livremente. Mas não somos um país democrático? Não nos livramos de um governo ditatorial há mais de 20 anos? Sim, é verdade. Porém, o nosso mal não é o comunismo, o islamismo, o nazismo, e nenhum outro ‘’ismo’’. Nosso mal, pelo contrário, rima com cadência e com malemolência -coisas tão brasileiras, não? O nosso mal, diga-se de passagem, não nos impede realmente de ir e vir. Ele até que nos deixa ir, para onde quisermos. O problema é que nunca sabemos se vamos voltar.

Ontem, em Recife, esse mal, mais conhecido como violência, impediu que uma moça voltasse pra casa à noite. Impediu que ela fosse para a universidade no outro dia. Impediu que ela acabasse o seu curta-metragem, um projeto de conclusão de curso. E pior, esse mal ainda promete impedir muitos regressos, muitos projetos, muitos beijos e muitos abraços.

Em novembro de 1989, por conta de um mal entendido entre os líderes do governo comunista, o muro de Berlim deixou de existir. As mudanças não foram automáticas, mas pouco a pouco, Leste e Oeste estavam livres. Só para que fique claro, nada aconteceu de uma hora para outra e foi fruto, também, da força na população, que saiu às ruas dizendo algo muito claro e simples de entender:“Nós somos o povo. Sim, e como povo, essas pessoas queriam seus direitos. Queriam escolher para onde iriam e se iriam ou não retornar.

Há alguns dias atrás no mesmo muro, em Berlim, que separou famílias, amigos, colegas e compatriotas, encontrei a frase “Many small people, in many small places, do many small things that can alter the face of the world”. De imediato, concordei. No bom estilo ‘’Todos juntos, somos fortes’’ de Saltimbancos, acredito que pequenos gestos fazem a diferença. Entretanto, reconheço que é preciso, infelizmente, que esses pequenos gestos incomodem “grandes” pessoas para surtirem efeito. Poucas horas depois, em um outro muro em Berlim, encontrei gravada outra frase. Menor, porém de tão grande significado: “Make Love!”. A partir daí tive certeza, Berlim estava falando comigo. Estava me dando a certeza da qual eu precisava para acreditar em nós, humaninhos.


Eu sei que essa história de “All you need is Love” não é inteiramente verdade. Eu sei que precisamos também de educação, de saúde, de dignidade, de políticas públicas eficientes, de políticos eficientes e tanta coisa mais. Tenho certeza, no entanto, de que sem amor (e ao amor ajunto carisma, felicidade, empatia...), nada disso adianta.

E é por causa dessa certeza que eu estou escrevendo esse post hoje. Porque eu não podia deixar passar esse acontecimento que tanto me marcou. A morte de uma jovem de 26, estudante de radialismo da Universidade Federal de Pernambuco me chocou e me deixou decepcionada. Decepcionada com a minha cidade, decepcionada com o meu país. País esse do qual eu tenho sentido tanta falta e o qual eu tenho defendido com todas as forças em minhas conversas com colegas de outras nacionalidades. Mas, graças aos muros de Berlim e suas mensagens, eu sei que essa ‘’gente bronzeada’’ ainda vai "mostrar seu valor". E vai parar de matar inocentes para fazer muito, muito amor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Mais, pourquoi?

aconteceu há duas semanas. era um dia bem ensolarado e Paris estava tentando me convencer de que a vida valia mesmo à pena.
andando da Batille até a Ile de Saint-Louis, uma coisa chamou minha atenção: um pombo morto. e, é claro, uma pequena mancha de sangue ao seu redor.
sem saber muito o que fazer, fiquei apenas olhando para ele. ainda tentando decidir se era engraçado ou triste. afinal, não é todo dia que se vê um pombo morto.
de repente, veio uma menininha loira correndo na minha direção. alegre e saltitante, de uma ingenuidade que se via a olhos nus. quando ela viu o pombo morto aos meus pés, perguntou:

-Uh la la! Il est mort?
-Oui, eu disse fácil e rapidamente
-Mais, pourquoi?
(...)
- je ne sais pas!

bem, eu realmente não sabia! o que podia dizer, afinal? até porque, a resposta que ela queria, eu nunca poderia dar. outra pessoa poderia até dizer "Porque ele estava doente’’ ou, mais friamente, "Porque o mataram".
mas não foi isso que ela perguntou. aquela criança não me perguntou COMO o pombo havia morrido. sua pergunta foi bastante clara: pourquoi?
por que tinha ele morrido, afinal? talvez pela mesma razão pela qual todo mundo morre. porque tudo que é vivo morre. porque é o ciclo da vida. porque a morte é aleatória. porque blá blá blá. mais, pourquoi?
enquantos todos esses porquês passavam pela minha cabeça, a mãe da menina apareceu. e assim que viu o pombo morto e ensangüentado no chão gritou:

-Não toca!

e a menina, nunca satisfeita, fez novamente a pergunta mais inquietante e difícil de se responder. pergunta essa, que os adultos deveriam fazer mais, por mais que as respostas custem a aparecer.

-Pourquoi?

mas, dessa vez, a mãe soube responder. e com uma única frase acabou com toda a poesia do momento:

-Porque é sujo!