quarta-feira, 2 de novembro de 2011

bolha multidor


madrid, 2011
 

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

noites na arábia

depois de um jantar delicioso e uma roda de tambores, decidimos ir olhar as estrelas. não é todo dia que você pode ver o céu daquele jeito.
há kilômetros de qualquer ponto de luz, o céu é um novo mundo.
nós estavamos no deserto do saara.
dava para ver minhas olheiras até naquele escuro perturbador. foi um dia inteiro de viagem de van, algumas caminhadas por cidades históricas e quase três horas de camelo.
mas não dava para dizer não às estrelas. não àquelas.

eu, betty, mohamed e samir deitamos na areia. mohamed e samir eram beduínos. moravam ali mesmo no deserto, em tendas parecidas com as que eu e betty iriamos dormir pela primeira vez.
a areia era gelada e fininha. era gostoso pegar um punhado e esperar os grãos escorrerem aos poucos por entre os dedos.

- aqui não tem cobra não, ne? eu disse
mohamed riu-se com minha preocupação.
- e se tiver? provocou
eu ri, fingindo tranquilidade.

as barreiras linguísticas eram muitas, mas dava para se entender. o francês malamanhado dos dois lados conseguia quebrar o galho.
cavamos buracos para colocar os pés. lá dentro, a areia era quente. mesmo à noite, o sol do deserto se mostrava da maneira que podia.

falamos amenidades. sobre morar no deserto, sobre morar na cidade. sobre ser guia turistíco, sobre outras profissões.

- jornalistas adoram vir aqui fazer perguntas. os franceses também, mesmo sem serem jornalistas adoram perguntar.

mohamed falava e ria. falava e ria.

sua ingenuidade lembrava aquele menininho que um dia foi parar no deserto e ensinou a um homem grande o poder das estrelas. sim, o pequeno príncipe.

- sabe uma música que eu adoro? waka waka êê, tsamina êê.. vocês sabem. canta comigo. "this is my africa".

mohamed tinha essa capacidade. de unir norte e sul, oriente e ocidente, o deserto e a metrópole. na simplicidade do ser, que só é e pronto. sem se importar demais com os detalhes da língua, com o francês capenga, com a diferença etária, social. mohamed me fez sentir, no meio daquela escuridão, o quanto todos nós somos cidadãos. e cidadãos de um mesmo lugar chamado Terra. mohamed apagou, com poucos versos e palavras, o meridiano de greenwich e a linha do equador que um dia eu aprendi na escola. e me mostrou que a gente é que nem a areia do deserto: por mais frio que a gente esteja por fora, dentro vai estar sempre quente, como prova de que o sol já aqueceu, um dia, o nosso coração.

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- essa é a primeira vez que vocês vêm pra o deserto?
- é
- mas não vai ser a última, né?
- espero que não
- promete pra mim que vocês voltam. e vocês vão ter que voltar.

mohamed falou isso e riu. e o riso dele é um guizo que eu transformei em estrela. e essa estrela está no céu do mundo inteiro e qualquer um pode ver. e rir com ela, como eu ri com mohamed.

domingo, 11 de setembro de 2011

re(love)ution

















temos as cura (athens, 2011)

sábado, 10 de setembro de 2011

quem vai negar essa vã filosofia

- você sempre morou aqui? no deserto?
- sim, todos os dias - disse rindo
- você gosta?
- gosto, sim... às vezes é ruim. mas é assim a vida. não?


três letrinhas

numa busca incansável por um tema para o meu tcc (tese de conclusão de curso, mas que também pode ser chamado de terror dos concluintes) me deparo com um mundo cheinho de objetos de pesquisa em potencial. tudo que olho, escuto, sinto, cheiro pode ser analisado, relatado, filmado. uma possibilidade de possibilidades que me faz querer viver tanto para abraçar essas oportunidades. e que às vezes me faz querer me jogar no rio de tanta dúvida. "escolher um é matar o outro". e eu não quero matar ninguém, não senhor.

os encantos que o dia-a-dia tem me dado são tão gostosos e agoniantes que começo a achar que o tcc não é apenas mais um trabalho da faculdade. é, na verdade, um dos maiores presentes que a vida academica me deu (sem contar, é claro, com os amigos, as tardes de ócio e cerveja e a copa paulo francis). e, também, o maior tormento.

quero analisar a internet como a nova esfera pública, quero contar a história de quem escolheu (sim, escolheu) viver na rua, quero entender porque a sociedade criminaliza tanto os seus iguaisquero ler habermas, nietzsche, damatta. quero filmar suape, quero analisar os conflitos no oriente médio.
quero, quero, quero. posso? posso? posso?

bem, se querer é poder eu só vou saber daqui há aproximadamente um ano, na defesa do tema que eu escolher. enquanto os prazos ainda estão ao meu favor, deixa eu me deleitar nesse mundo que tem coisa interessante pra cacete.




quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sobre os muros e suas mensagens


Ao final do city tour por Berlim, a guia pediu que todos sentassem para ouvir o que ela tinha a dizer. “Eu quero que vocês reflitam que isso que a gente fez hoje, transitar entre o Leste e o Oeste desta cidade, não poderia jamais ter acontecido há pouco mais de 20 anos atrás. Naquela época, algumas pessoas não tinham nem sequer o direito básico de ir e vir”.

Há léguas de distância da capital da Alemanha, cerca de 190 milhões de pessoas também foram privadas desse direito. Do outro lado do Atlântico, em lugar lindo e quente chamado Brasil, não se pode transitar livremente. Mas não somos um país democrático? Não nos livramos de um governo ditatorial há mais de 20 anos? Sim, é verdade. Porém, o nosso mal não é o comunismo, o islamismo, o nazismo, e nenhum outro ‘’ismo’’. Nosso mal, pelo contrário, rima com cadência e com malemolência -coisas tão brasileiras, não? O nosso mal, diga-se de passagem, não nos impede realmente de ir e vir. Ele até que nos deixa ir, para onde quisermos. O problema é que nunca sabemos se vamos voltar.

Ontem, em Recife, esse mal, mais conhecido como violência, impediu que uma moça voltasse pra casa à noite. Impediu que ela fosse para a universidade no outro dia. Impediu que ela acabasse o seu curta-metragem, um projeto de conclusão de curso. E pior, esse mal ainda promete impedir muitos regressos, muitos projetos, muitos beijos e muitos abraços.

Em novembro de 1989, por conta de um mal entendido entre os líderes do governo comunista, o muro de Berlim deixou de existir. As mudanças não foram automáticas, mas pouco a pouco, Leste e Oeste estavam livres. Só para que fique claro, nada aconteceu de uma hora para outra e foi fruto, também, da força na população, que saiu às ruas dizendo algo muito claro e simples de entender:“Nós somos o povo. Sim, e como povo, essas pessoas queriam seus direitos. Queriam escolher para onde iriam e se iriam ou não retornar.

Há alguns dias atrás no mesmo muro, em Berlim, que separou famílias, amigos, colegas e compatriotas, encontrei a frase “Many small people, in many small places, do many small things that can alter the face of the world”. De imediato, concordei. No bom estilo ‘’Todos juntos, somos fortes’’ de Saltimbancos, acredito que pequenos gestos fazem a diferença. Entretanto, reconheço que é preciso, infelizmente, que esses pequenos gestos incomodem “grandes” pessoas para surtirem efeito. Poucas horas depois, em um outro muro em Berlim, encontrei gravada outra frase. Menor, porém de tão grande significado: “Make Love!”. A partir daí tive certeza, Berlim estava falando comigo. Estava me dando a certeza da qual eu precisava para acreditar em nós, humaninhos.


Eu sei que essa história de “All you need is Love” não é inteiramente verdade. Eu sei que precisamos também de educação, de saúde, de dignidade, de políticas públicas eficientes, de políticos eficientes e tanta coisa mais. Tenho certeza, no entanto, de que sem amor (e ao amor ajunto carisma, felicidade, empatia...), nada disso adianta.

E é por causa dessa certeza que eu estou escrevendo esse post hoje. Porque eu não podia deixar passar esse acontecimento que tanto me marcou. A morte de uma jovem de 26, estudante de radialismo da Universidade Federal de Pernambuco me chocou e me deixou decepcionada. Decepcionada com a minha cidade, decepcionada com o meu país. País esse do qual eu tenho sentido tanta falta e o qual eu tenho defendido com todas as forças em minhas conversas com colegas de outras nacionalidades. Mas, graças aos muros de Berlim e suas mensagens, eu sei que essa ‘’gente bronzeada’’ ainda vai "mostrar seu valor". E vai parar de matar inocentes para fazer muito, muito amor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Mais, pourquoi?

aconteceu há duas semanas. era um dia bem ensolarado e Paris estava tentando me convencer de que a vida valia mesmo à pena.
andando da Batille até a Ile de Saint-Louis, uma coisa chamou minha atenção: um pombo morto. e, é claro, uma pequena mancha de sangue ao seu redor.
sem saber muito o que fazer, fiquei apenas olhando para ele. ainda tentando decidir se era engraçado ou triste. afinal, não é todo dia que se vê um pombo morto.
de repente, veio uma menininha loira correndo na minha direção. alegre e saltitante, de uma ingenuidade que se via a olhos nus. quando ela viu o pombo morto aos meus pés, perguntou:

-Uh la la! Il est mort?
-Oui, eu disse fácil e rapidamente
-Mais, pourquoi?
(...)
- je ne sais pas!

bem, eu realmente não sabia! o que podia dizer, afinal? até porque, a resposta que ela queria, eu nunca poderia dar. outra pessoa poderia até dizer "Porque ele estava doente’’ ou, mais friamente, "Porque o mataram".
mas não foi isso que ela perguntou. aquela criança não me perguntou COMO o pombo havia morrido. sua pergunta foi bastante clara: pourquoi?
por que tinha ele morrido, afinal? talvez pela mesma razão pela qual todo mundo morre. porque tudo que é vivo morre. porque é o ciclo da vida. porque a morte é aleatória. porque blá blá blá. mais, pourquoi?
enquantos todos esses porquês passavam pela minha cabeça, a mãe da menina apareceu. e assim que viu o pombo morto e ensangüentado no chão gritou:

-Não toca!

e a menina, nunca satisfeita, fez novamente a pergunta mais inquietante e difícil de se responder. pergunta essa, que os adultos deveriam fazer mais, por mais que as respostas custem a aparecer.

-Pourquoi?

mas, dessa vez, a mãe soube responder. e com uma única frase acabou com toda a poesia do momento:

-Porque é sujo!